terça-feira, 6 de maio de 2014

Machado para os jovens

Vi ontem essa nota no site da folha sobre a escritora Patrícia Secco que alega que os jovens não gostam de Machado de Assis porque não entendem o que ele diz e ela vai resolver esse problema:

"Os livros dele têm cinco ou seis palavras que [os jovens] não entendem por frase. As construções são muito longas. Eu simplifico isso."

Sabe, tem tantos problemas nisso, mas tantos problemas que não dá nem pra dizer por onde começar.

Primeiro: por que os jovens tem que ler Machado de Assis?

É um clássico, é um cânone, é muito importante? Sim, claro.

Mas assim, a gente tem que assumir que nossa educação falhou miseravelmente, a maioria das pessoas chegam ao colegial semi-analfabetas e muitos saem da faculdade analfabetos funcionais. As pessoas não conseguem ler e entender um texto por mais básico que seja e, por consequência, elas não tem o menor interesse na leitura como fonte de entretenimento.

Você pode falar que a escola sempre forçou as pessoas a ler os clássicos e que chegar na faculdade sem ter lido Machado é um crime, mas no fim, o maior crime é chegar na faculdade sem ter lido mais de 20 livros sejam eles qual forem.

É um problema a pessoa entrar na faculdade de letras e lá ter o primeiro contato com Machado de Assis? Sim, claro, mas se você pensar que antigamente se aprendia Cálculo Diferencial no colegial e hoje só se descobre o que significa isso na faculdade... bem, porque não esperar um pouco com o Machado.

A escola tem que se preocupar com outras coisas no momento: 1- ensinar as pessoas realmente a lerem; 2 - permitir que as pessoas passem a gostar da leitura.

Nas atuais circunstâncias se quando a pessoa terminar o colegial ela tenha vontade de ler um livro a cada 3 ou 4 meses você teria um saldo muito mais positivo que ter lido um Machado de Assis na vida.

O outro lado é que eu questiono o valor disso que se chama "adaptação". Quando você transforma um livro em um filme ou em um quadrinho, você tem uma transposição de mídias/suporte que é algo bem válido. Mas adaptar um livro para um livro mais simples é muito complicado.

Veja, o valor de um texto não está meramente no seu enredo e sim nas escolhas das palavras, nas construções das frases. Isso tem um valor histórico, inclusive. Os tempos mudam, os livros antigos não tem que se adaptar a eles e sim novos livros tem que surgir para novos tempos. Novas escolhas, novas palavras, nova dinâmica é importante, mas em uma história nova e não em uma mera reciclagem.

O projeto dessa Patrícia subestima e subjuga todo o valor estético do livro em favorecimento de um enredo. Quantas histórias maravilhosas já foram criadas em cima do mesmo enredo. Se você pasteurizar toda a literatura talvez sobre meia dúzia de enredos distintos todos escritos iguaizinhos. Qual o valor disso?

Não culpo essa Patrícia, ela vai fazer uma montanha de dinheiro, os educadores brilhantes que estão selecionando os livros para as compras governamentais vão deitar e rolar e gastar muito do nosso dinheiro. Nos ficamos mais pobres financeiramente, as próximas gerações mais pobres culturalmente, mas, pelo menos, Patrícia e sua editora estará mais rica.

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Se você quer uma versão diferente de Dom Casmurro (veja, diferente, que acrescenta outra linguagem, que dá um novo valor estético para o livro) tem essas duas adaptações bem bacanas, uma da Ática e outra da Devir, feita pelo Mario Cau e ganhadora de um Jabuti (ó, isso sim é um trabalho digno)




Mas é claro que, se você realmente gosta de ler, se sente pronto, baixe essa versão gratuita do Dom Casmurro, se você lê-la em seu Kobo, o dicionário embutido pode te ajudar a ampliar o seu vocabulário em vez de simplificá-lo.


Ou compre aqui o texto original em versão de bolso da LP&M

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