Leitor de quadrinhos adora reclamar, mas, verdade seja dita, hoje é muito tranquilo colecionar e ler quadrinhos.
Até pouco tempo atrás, quando as HQs passaram a ficar mais complexas, com histórias longas de começo meio e gran finale, tramas requintadas, trabalhadas e devidamente amarradas por anos, muito se ouvia falar dessas histórias, mas era um sacrifício imenso acompanhá-las.
O aclamado selo Vertigo da DC, que os leitores tanto amam, causou tristeza, ódio e decepção por muito tempo. No Brasil as HQs não tinham editora certa, periodicidade certa e muito menos qualquer garantia de que chegariam a edição seguinte e menos ainda que se conheceria final.
100 Balas é um exemplo claro disso. Foi muito elogiado lá fora, tinha uma premissa sensacional (um sujeito chega para você com uma arma que não era possível de rastrear e oferecia todas as provas sobre alguém que estragou sua vida, ele entregava a vingança perfeita, bastava você querer usar ou não), mas para ler no Brasil era um tormento.
Em 2000 a revista começou a ser lançada pela Opera Graphica - com um preço absurdo para a época e um trabalho editorial no mínimo precário. Abandonada na metade, lá para 2007 a Pixel chegou como a nova casa da Vertigo e lançou mais um pouco de 100 Balas, agora com preço honesto e um trabalho um pouco melhor. Mas durou pouco. A Pixel se foi e finalmente chegamos na fase da Panini.
Falem o que quiser, mas a Panini pegou a Vertigo e fez o que todo mundo queria e ninguém acreditava que viveria para ver. Publicou as histórias que faltavam, fechou várias séries, com um trabalho razoável, a um preço justo. Tem problemas? Claro, é um material que foi pra banca, que era difícil de comprar se você perdesse uma edição, mas ok, é melhor e mais fácil do que tudo que veio antes.
Fora que, hoje com a revolução digital e os tablets, você pode achar aquela edição que falou com muita facilidade tanto para comprar quanto para piratear - em inglês é mais fácil, mas já surgem iniciativas em português também.
Sobre 100 Balas em si, a história é interessante. São 100 edições de muita violência centradas em uma organização criminosa chamada Trust, controlada por 13 famílias, e nos Minuteman, um grupo ligado a essa organização.
Eu preciso dizer que talvez minha leitura tenha sido prejudicada por anos de expectativa. Eu sabia que era uma história boa que se fechava em 100 edições e eu acreditava que teria muito mais nela do que realmente tem.
A ideia em si é muito boa, os personagens são excelentes, mas eu li 100 Balas esperando algo que não estava lá. Durante toda a história vários casos de violência, brigas de gangue e outras histórias aparecem. Essas histórias não tem conexão direta com a trama principal, mas eu achei que teriam e esperei por isso.
A leitura correta de 100 Balas - algo que se eu soubesse talvez tivesse terminado muito mais satisfeito - é que a história é do Trust e do Agente Graves e todos os demais casos de violência são um cenário extremamente bem elaborado, tudo é pano de fundo. Ao invés de ter figurantes sem propostas, Azzarello decidiu criar um cenário vivo, que mostra que o mundo onde está acontecendo a trama é extremamente violento e essa violência é o habitat natural do Trust e das outras partes envolvidas.
Fora isso, a arte de Rizzo é espetacular. Um traço com uma estilização bem curiosa, bem peculiar, limpa mas carregada de linhas requebradas, e uma narrativa visual sensacional. Pra quem curte quadrinhos, as escolhas de ângulos feitas por Rizzo são um espetáculo a parte. Muitas vezes ele coloca um foco e ocupa um espaço maior de um quadro com algo não relacionado acontecendo no fundo e isso funciona, perfeitamente para dar ritmo e tridimensionalidade na narrativa principal. Rizzo trabalha como um diretor em posse de centenas de câmeras, trocando direto de uma câmera para outra, mantendo sempre viva a narração.
Vale ler 100 Balas? Sim, com certeza. Vai ser a melhor história da sua vida? Talvez só se você criar uma categoria de melhor história de 100 edições.
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